segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

RIP Atchim

A primeira vez que tive contato com o politicamente correto, foi com 8 anos de idade. Era uma tarde sem nuvens e sem sol, e o céu branco em Santos.
Após cruzar a rua Bahia com o final da Azevedo Sodré, a caminho do Gonzaga, passei por um senhor de barba branca curta, cabelo branco médio formato M e camisa polo azul clara. Por dentro do óculos de armação vinho, seus olhos se contraíam com o espirro que havia dado, e eu disse "SAÚDE!" Como uma aspirina mentalizada em forma de palavra, disparei com toda positividade de um garoto de 8 anos da classe média que pouco conhecia das mazelas mundiais. "Saúde", em minha cabeça, essas palavras teriam o efeito de um feitiço benevolente, glóbulos brancos viriam dos céus em tunicas, brandando SAÚDE, SAÚDE e o senhor de camisa polo azul clara, estaria então remediado de todo tipo de resfriado, alergia ou infortúnio nasal que acarretasse em espirros.
Saúde, eu disse, e o senhor, freando o disco da minha ilusão, profere "Nunca diga a palavra saúde para alguém que acabou de espirrar, pois você está sugerindo que a pessoa está sem saúde, e isso é indelicado, e falta de educação". Fiquei paralisado por meio segundo, concordei acendo com a cabeça, para baixo e para cima e pra baixo de novo, pontuando duas vezes ao dizer "Desculpa".

Relembrando esse episódio hoje em dia, espero que realmente ele não tenha tido saúde, e tenha morrido dando espirros. Em sua lápide, diria: Aqui jaz Roberto, morreu espirrando e sem saúde. Sua última palavra foi "Atchim"

sábado, 2 de fevereiro de 2019

Edifício Windsor

Eram meses de noites mal dormidas, 3 para ser exato, desde que se mudou para o novo apartamento. Acordava na madrugada com a nuca convulsionando de calafrio, na certeza que alguém havia chamado seu nome, “Gabe” “Gabe, Gabe, Ga..”, olhava para a parede à sua frente, na direção dos dedos dos pés, gelados, úmidos, pálidos, apontavam para cima como estalagmites na cama. Em sua mente havia se teleportado para uma caverna.
Encarava a parede como um breu num buraco, de onde seus maiores medos escalariam da escuridão para lhe arrancar a paz e o pulso. Faria um cordão de isolamento com seu intestino, nunca havia tido intestino preso e agora estaria cercado pelo próprio, sem ter como sair. Cadáveres não saem muito. Mas, havia algo saindo da parede, a caverna revelava aquilo que espreitara nas sombras. A parede, tinha algo saindo da parede
Puta merda, é um fantasma e ele tá olhando pra mim. Igualzinho na tv, azul desbotado, olheiras e olhos cor de monitor de celular desligado, reflete igual

Ele olha pra mim, é recíproco. Pergunto se é um fantasma, ele confirma balançando a cabeça, num sim.
Uma sensação horripilante toma conta dos meus pensamentos, então faço a pergunta que me separa do meu maior medo, mas preciso saber, então disparo a questão “Há quanto tempo você está aqui?” 

“Desde que você chegou neste apartamento, eu estou aqui”

Silêncio. Imito o quadro O Grito

“Você está há 3 meses neste apartamento, comigo aqui, e não pagou aluguel?! Em nome do senhor, pague sua parte!”
O fantasma olha confuso “Senhor… eu sou fantasma, mas sou ateu, não acredito em Deus”
Explico “Não, Deus não. Valdir, senhor Valdir, é o cara que aluga esse apartamento. E me responda, qual o motivo de você ficar chamando meu nome?
O Fantasma, acanhado, diz: “Bem, é que esse é meu… era meu quarto, sou apegado a este cômodo, e você ronca muito, e alto. Aí tenho que ficar lhe acordando. E não consigo dormir de luz apagada”

“Se você me ajudar a pagar o aluguel, terei dinheiro para pagar a conta de luz e pagar o tratamento para minha apneia.”. Digo para o fantasma, que, sorrindo, pega sua carteira e me diz:

“Quantos cruzeiros devo da minha parte?”

Vai ser uma noite longa!